Ultra Trail da Serra da Freita - Implacável (2022)


UTSF 2022


 O "Desafio" de superação...

Mais um desafio que queria fazer, este ano na maior distância, só porque é perto de casa, porque adoro a Freita, porque não aprendo, porque é uma loucura, porque cada vez é mais difícil (...) E poderia continuar com justificações sem sentido e nunca mais parava para justificar algo que não tem justificação, a  Freita sente-se, a Freita ama-se e cada vez que terminamos, depois das dores passarem, queremos repetir, queremos estar neste desafio, pelas amizades, pela superação pessoal e porque é uma das provas mais antigas de Trail ... Parou!!! Mas será isto Trail? Penso que o grau de dificuldade desta prova já nem o classifico como Trail, porque o grau de dificuldade é muito mais que isso, mas apenas vos garanto que é "O Trail".

Li em algures, que o objetivo do "Pai" do Trail, o Moutinho, que tanto gosta de planear estes percursos, quer "matar" os atletas, sim, a frase que li numa publicação e passo a citar "O UTSF está desenhado para que os atletas cheguem mortos aos 40 km's. Depois, só chega ao fim quem se conhecer bem a si próprio e tiver cabeça para gerir o esforço", penso que esta frase refere tudo a nível de dificuldade desta prova, é empeno garantido e uns dias com um andar estranho, sem conseguir correr e um estado de espirito de "relaxamento mental", onde os problemas são relativizados e a paciência atinge limites elevados...

Mas a que prova estou a falar? Acho que o gráfico diz tudo sem começar aqui a ter de descrever o sobe e desce constante, só acrescento para quem não sabe, quanto mais azul escuro estão as barras verticais, mais inclinado é o terreno...

Gráfico do UTSF 100 Km


A Partida ...

Como sempre, na noite que antecede a partida, descansar é quase impossível, pelos receios, porque a prova inicia cedo (6h00), porque precisamos de entregar o saco para a base de vida e apesar de a prova ser à porta de casa, madrugar é a palavra de ordem. 

3h00 e o relógio toca, está na hora de equipar, tomar o pequeno almoço, verificar senão falta nada e siga para a "festa" ou será para o empeno? Bom, neste momento, já nem sei o que me espera, porque apesar de já ter realizado esta prova, mesmo nesta distância, anualmente existem alterações. Apesar de conhecer os trilhos mas passar em todos numa só distância, é algo louco...

Chegar ao local, levantar o dorsal, entregar o saco, reencontrar as amizades, desejar boa prova e iniciar a loucura com as emoções ao rubro, ouvir as últimas dicas e começa a contagem decrescente... 5, 4, 3, 2, 1... Começou o empeno...

Foto By Rui Rodrigues

Goelas do Mundo ... 

A prova inicia e o que passa na cabeça da malta, pelo menos na minha, é enfrentar a imensidão da primeira grande subida, um trilho descoberto pelo Moutinho e trabalhado pela sua equipa, mas que grande trabalheira desbravar aquele mato. Sendo agora possível subir o mesmo, tornou-se mais uma referência da prova e um desafio pessoal elevado, no entanto, até chegar a este desafio, temos o primeiro trilho, a "Via Dolorosa" com a chuva que se fez sentir na última noite, estava bastante "pesado" e escorregadio, aliás, acho que senti isso na prova toda, porque apesar do clima estar com temperaturas mais baixas do que habitualmente se faz sentir, este ano a prova estava mais perigosa, mesmo nas paisagens de água. 

Depois de passar o primeiro abastecimento, o primeiro desafio estaria logo ali, o trilho "Goelas do Mundo", onde podíamos ver o ponto mais alto da montanha e as pernas tremem só de saber o que vamos ter de sofrer, logo aos 13 km? "Jasus", mas siga que a festa ainda agora iniciou.

A primeira parte deste trilho é fantástico, pelos riachos existentes e a água corrente, enfrentamos o desafio em contra corrente, com umas 7 passagens pelo rio, ou mais, nem sei bem, mas tentando manter os pés secos, quase impensável, mas um passo de cada vez, passamos por uma escada ou uma espécie de ferros que servem de escada , cravadas na rocha, para auxiliar a subida, umas cordas para ajudar na descida ou mesmo na subida. Adrenalina, está ao rubro, agora ainda é engraçado, não dói nada. Mas eis que surge a parte final, onde as temperaturas sobem e o pouco sol que se fazia sentir, queimava, a temperatura corporal aumenta e bufava até mais não, faço pequenas paragens e vou seguindo, só quero chegar ao topo. Começamos a ouvir a malta com buzinas e afins, a incentivar e lá vamos, passo a passo, motivados por este apoio... Entre uns géis e umas barras energéticas vamos subindo, ingerir água era uma constante.

Foto by Susana Luzir


Finalmente, termina, respiramos de alívio, deliciamos o apoio de quem aqui se encontra, os fotógrafos atentos, chegámos a "ZEMOU", digamos que será a zona plana, depois da subida, onde o "pai" do trail se delicia com a cara de empeno dos atletas. 

Foto by Fritz
Foto by Fritz

A descida ingreme surge logo a seguir, Cando à vista...


Covelo de Paivô

Ao passar pela aldeia de Cando, abasteço-me de água e continuo, supostamente seria uma descida até ao abastecimento de divisão de percursos, tenho de passar pelo trilho "Auto-Estrada", mas é por ser a descer? Pois com tanta pedra solta, não é assim tão rápido, vou com os meus pensamentos, Tico e o Teco em discussão, só penso que ainda é cedo para fazerem esses filmes, a minha mente ainda com cerca de 17 km de prova já está armada em parva e a querer contrariar, mas pudera, ainda agora começou e já estou a penar, mas siga, mando calar esta gente e enquanto estes pensamentos não desaparecem, sou apanhado pela câmara, pela minha cara, a coisa não estava fácil, não mesmo, mas o Fritz, como ele brincou comigo quando lhe disse: "Fogo, já estás aqui?" e ele responde: "Sou omnipresente, estou em todo o lado!" Um momento de boa disposição e continuo, lá consigo acelerar...

Foto by Fritz

Chego na separação dos percursos (20 Km), ingiro qualquer coisa e tento perder o mínimo tempo possível, saio em modo de corrida, pois sabia o que me esperava, o "Trilho do Carteiro", uma descida técnica e que temos de ser cautelosos, vou motivado, a curtir a descida, mais à frente o corte para a direita, a sinalização da prova não deixa enganar, rapidamente estou ao nível do rio, após passar para o outro lado da margem, percorro a zona já bem conhecida das minas de Rio de Frades, mais uma vez atravesso Rio e siga, na escuridão da passagem, mais uma descida e estou na meta do desafio tão conhecido "Voltas do Impossível" e a famosa pedra imaculada, ainda sem qualquer nome de quem tenha conseguido esse feito, 5 voltas ao percurso, não é fácil de todo.

Ao continuar, mais uma vez, sapatilhas no rio e entre uma passagem e outra, a dada altura, nem consigo precisar onde, um grande tombo no meio do rio, completamente molhado, sorrio, mas as dores na mão aumentam e por meros instantes, pensava ter acontecido o pior, partido o dedo da mão, logo o do meio, porra que doí-a, coloco a mão de molho e penso, isto não é nada. Levanto-me e continuo, a partir daquele momento fiquei com receio dos circuitos de água, pois as pedras estavam muito escorregadias, percebo que com tanta cautela, reduzi o ritmo... Para ajudar, o meu relógio avaria e deixa de registar a prova, sem perceber a razão, sinto-me meio perdido, não estou habituado a fazer algo sem o relógio, mas decido continuar, só tinha de continuar, não ia ficar ali a olhar para ontem.

Entre subir escadas de construção artesanal e pouco depois voltar a descer algo parecido, mais umas passagens no rio. Água não faltava, desta vez bastante profunda, sinto-me a desanimar, mas eis que surge uma subida e percebo que estou a afastar-me do rio, reconheço a zona e eis que o abastecimento está perto, Covelo do Paivô, uma massa com atum, sento-me para descansar e restabelecer energias em simultâneo penso, caramba ainda só fiz 29km, mas estou mais rápido que o previsto, até nem está mal. Bastões na mão, despeço da malta, agradeço, siga! 

Aldeia da Pena ...

Sabia que até ao próximo abastecimento, mais dificuldades estavam pela frente, começamos logo a subir, o sol já aquecia, estava um pouco perdido na hora, mas talvez tivesse 6h20 de prova, vamos trocando uma frases e tentando apreciar a paisagem ao nosso redor, para esquecer os km's que não passavam, não sei quanto tempo depois, era hora de descer, talvez ao km 37, uma descida acentuada, mas todo o cuidado é pouco, não vá o corpo estourar com tanta descida, porque apesar de amar descer tinha de me controlar, mas sem saber ao ritmo que ia, entre uma conversa com o Henrique Bruno, a sandes de presunto e a cerveja em Regoufe era o nosso objetivo, para este troço ficar mais curto por momentos esqueci-me do tempo de prova e que tinha poucos km's. Após terminar a descida, mais um desafio, porque tudo o que desce também sobe, estávamos a enfrentar o "Muro", era só mais uma, pelo gráfico do dorsal, não seria uma subida enorme, mas era só mais uma. Termina, oupa, vamos descer, como eu gosto... Pouco depois chegámos a Regoufe, tal como prometido e falado, paramos para a sandes, cerveja e café, estava pronto para continuar a caminhada...

Os companheiros começam a falar que a seguir íamos enfrentar a "Subida das Almas Penadas", OUTRA? Mas isto não pára?  Estávamos a enfrentar um verdadeira prova de parte pernas, com tantas oscilações e acreditem que tanto as subidas eram tão acentuadas, como as descidas eram um verdadeiro massacre, pois não sabia se colocava o pé ou se descia de rabiosque para não mallhar. Com esta subida, quem ficou penado ou depenado fui eu, que violência, parecia que era infinita, no entanto, sei que me esperava uma sopinha, para aquecer o estomago e não ser só frutas e afins!

Eis que chego a Aldeia da Pena, controlo de material, garrafas cheias e vou para o abastecimento/restaurante onde tem a sopinha, uma cerveja preta e para terminar um café, AH e uma broa que me soube pela alma, maravilha. 

Refeição concluída, estava na hora de continuar, ui que isto já começa a doer para levantar, o meio da prova, estava perto, no entanto neste troço, já tinha falhado a minha previsão, nas previsões não contabilizei o tempo previsto que se perde nos abastecimentos e claro que estava a ficar mais lento e tinha sido muito guloso... Ahahah

Base de Vida...

Para a diversão continuar e motivar a malta, depois de barriguinha cheia, convém que se faça uma descida a um ritmo lento. 

Vocês já sabem, tudo o que desce, também sobe, esta descida na parte final era acentuada com muita pedra solta e que nunca sabemos quando nos vamos esbardalhar, mas acelerei um pouco e deixei a malta que tinha realizado a subida comigo, o que é bom termina depressa... 

Inicia a subida, mais um famoso trilho, ou uma subida famosa? Tínhamos pela frente o trilho "Subida do Portal do Inferno", uma subida bastante acentuada, mas confesso que ia motivado, no abastecimento, sempre é aquele pico de energia física e mental que precisamos ... A cada metro de subida, o frio ia aumentando, parecia que as estações do ano iam passando por nós rapidamente, já nem falo nas emoções, essas já se tinham acalmado à muito, estava em modo de "Próximo Abastecimento", já nem queria saber quantos km's faltavam, mas claro que tinha uma noção, ligeira.

No final da subida, vejo pessoal a dar força a quem sobe... Passo no abastecimento, reabasteço as garrafas, como qualquer coisa e vamos que se faz tarde. Inicio a descida e de repente, inverte a marcha, tenho de voltar, tinha-me esquecido dos bastões no abastecimento.

Após terminar a subida, mais um desafio, modo de descida ligado, mas correr a bom ritmo estava difícil, já voltei a ter relógio para me orientar, para me entreter a fazer contas mentais e a pensar que ia para a base de vida, chegaria ainda de dia ... Passo a Aldeia de Drave e a subida não é muito acentuada, as fitas depois da subida sinalizam para a esquerda e começo a relembrar-me do trajeto, opah, não acredito, será?... Pois, não à alternativa, o trilho "Aztecas", curva e contra curva, sobe e desce passa o rio e lá vamos enfrentar mais uma subida conhecida, a subida dos "3 Pinheiros", a subida que nunca mais termina, eu só queria ver os pinheiros, estão caídos, mas se passasse por eles era sinal que estava a terminar. Parece que já plantaram, novos rebentos, para manter este desafio com o mesmo nome. Fitas indicam que a prova contínua para a direita, continuo a conhecer a zona, vou em modo de descida, como vos disse, o parte pernas não pára, o piso é irregular e temos de ir com atenção, a dada altura, no meio da montanha, ouvi um grito "Anda Pai", foi impossível conter as lágrimas, ainda agora a escrever não é fácil, era a minha filhota. Pessoal, ganhei vida outra vez! Dou-lhe um beijo a ela e ao meu primo Filipe, estavam os dois. Agradeço, digo-lhes para virem com muito cuidado e continuo a bom ritmo. Consigo correr, do outro lado da montanha está o abastecimento, fui a correr, estava a passar "O Trilho dos Incas", as pedras obriga-me a subir, mas malta, não era o mesmo, já nada me parava... Chego ao abastecimento e a familia está completa...

Fui trocar de roupa e vestir roupa para noite, modo de aquecimento ligado, mas agora vos confesso que não sabia o que ia encontrar. Colocar lanterna, mais uma sopa, mais comer bom, vou ao pé da claque, beijos e abraços e continuo, obrigado por terem vindo.

Lomba...

Desafio que se seguia, a famosa "Besta", o engraçado é que os bastões aqui não servem para nada, tinha de os levar na mão, porque o cinto dos bastões ficou em casa ...

Com muita paciência lá fui subindo, pois tinha mais uma hora pela frente entre escalada e caminhada, não é uma subida fácil, mas é bonita, subir em contra corrente, a água contorna as pedras e tento não molhar os pés, mas por vezes torna-se complicado. Pouco depois de iniciar a subida, tenho de ligar o frontal, para ver onde coloco os pés, porque no meio de pedras com algas, torna-se escorregadio e já tinha a minha dose de quedas por hoje. Começo a avistar as luzes no topo, onde a equipa do Gobs se encontra anualmente.

Ao chegar ao topo e a correr na planície sentia-se o frio, este seria o ponto ou um dos pontos mais altos da prova, no entanto previa que a noite seria gelada, para já tinha o equipamento adequado e tentava correr, dentro do possível, ia em direção a Bondança, uma descida acentuada, só para desemendar do resto do esqueleto, com apenas 66 K e cada km era mais difícil de conseguir correr.

Chego ao abastecimento e oferecem uma taça de Nestum, eu nem gostava em tempos, mas queria algo que alimenta-se e que subisse a temperatura corporal. Reabasteço as garrafas, mais umas fatias de pizza e continuo, para enfrentar mais uma subida, era preciso ter paciência depois de agora quase que a gestão da prova era mental, as dores surgiam de todos os cantos do corpo, mas a meta, era o objetivo.

Entro em modo de descida, esta, era mesmo para partir, sabia o que me esperava quando a descida terminasse, mas estava exausto a nível muscular, tinha receio de cair, de escorregar, pois a capacidade de colocar os pés com segurança tinha desaparecido, colocava a medo, vou escorregando, mas a inclinação da descida é enorme, quase que dá para ir em modo de "escorrega", começo a ficar farto de tantos Km's a descer, eu gosto de descer acreditem, mas estava a ser doloroso a cada passo, a cada metro, tento controlar a mente porque estava a descontrolar, Tico e Teco, envolvem-se numa discussão acesa, mas porque te metes nisto? Quando tens juízo? Não podias ter feito só os 65 Km's? Basicamente, eu apenas queria que chegasse a subida, já me custava menos subir do que descer, pelo menos desta vez.

Surge o "Trilho das Porqueiras", sabia que estava perto, mas logo de uma pequena subida, nova descida, menos acentuada e a placa informava "Trilho do Francês", Opah, mas porque raio do Francês veio para aqui inventar?... Ahahah. Com paciência ou sem ela, já nem sei, fui seguindo, entre um ligeiro trote e uma caminhada...

Outro trilho "Berlengas" passei por ele, mas a noite não deixou apreciar a paisagem deste local, só pensava nas escadas, seria o sinal que o abastecimento e principalmente a sandes e uma cerveja, estava próximo. Surgem os primeiros degraus, senti-me motivado, mas segundo um colega que me acompanhava neste momento, diz que são 800 degraus, as famosas "Escadas do Martírio", nem quero saber quantos degraus são, mas sei que é necessário ter muita paciência para trepar por aqui acima. Os degraus não paravam de aparecer, uns a seguir aos outros, curva à esquerda, mais degraus, curva à direita, mais degraus, sapatilhas a refrescarem-se na água corrente mas na última curva à esquerda, sabia que tinha terminado, era só mais uma subida e estava no abastecimento.    

Com o passo acelerado e já em alcatrão, onde os bastões faziam o barulho habitual de estarem a ser utilmente usados, ao marcar passo e a bom som, depois de mais umas escadas, consigo ver o abastecimento, ora vamos lá à sandocha e uma cerveja preta porque estou na LOMBA caraças!!!!

Fase Final...

Barriguinha composta, tenho de seguir caminho, ao levantar-me já me dói os músculos e o processo de elevação torna-se penoso, ainda bem que os bastões ajudam, mas desde do princípio ao fim, não tenho nada a acrescentar aos voluntários, sempre preocupados e só tínhamos de sentar e pedir, eles faziam questão de nos servir bem!!! Não faltou nada mesmo a mordomia.

Continuo a seguir as marcações, a próxima subida eu a conheço bem, "Bradar aos Céus", mas tem de ser, estava na altura de ter paciência e rezar um pouco, porque esta subida  ia demorar umas horitas, a noite era serrada e fria, mas como subia numa zona mais abrigada o vento que se sentia era ligeiro, passo a passo, com a mente a vaguear, ia curtindo a subida, em modo de motivação, esta seria a última subida, um pouco de escalada pelo meio e sempre "ligado".

Cerca de duas horas depois, consigo alcançar o topo, onde consigo ver uma espécie de bancos um novo miradouro, para os visitantes apreciarem a paisagem, eu aqui de noite nada vou ver. A noite era fria, o vento cortava e o nevoeiro veio-me cumprimentar, neste planalto, passo um mau bocado, começo a tremer de frio, mas sabia que tinha de passar perto das antenas. Apesar do nevoeiro consigo avista-las e sabia a direção que tinha de tomar, mas quanto mais subia, mais o nevoeiro ficava denso, por momentos, deixo de ver a marcação seguinte da prova, penso para mim: "Caramba, estou perdido!" Vou seguindo numa direção, não é essa não encontro fitas, recuo e tento outra direção, espero que seja a direção desejada, procuro algum refletor, se me perco acabou, o frio vai terminar comigo. Começo a sentir muito frio nas pernas, arrependo-me de não trazer as calças impermeáveis, mas ficaram em casa. Consigo puxar uma gola, tapo a boca e o nariz, é quente para me proteger, normalmente, utilizo sempre na noite, tento aquecer, não estou a inspirar mais frio, meio atarantado vejo o que parece ser um refletor, mas não será um animal? Sim malta, os olhos dos bovinos, por vezes enganam e pensamos que são as marcações, mas estou no caminho certo!!! Tento correr para aquecer. Inicio outra descida, o nevoeiro rapidamente desaparece, ainda bem que foi só no topo, continuo, mas o frio ainda não passou pois o vento era "cortante".

Chego à Aldeia de Castanheira, onde estão situadas as  famosas "Pedras Parideiras", um fenómeno, tal como o vento e o facto de eu me encontrar ali cheio de frio, tinha de tirar a minha térmica, faço um desvio para um sitio abrigado, protegendo-me do vento frio. Tenho de me despir, tiro a t-shirt molhada e os manguitos, para vestir a térmica de manga comprida que me acompanha, estava um frio insuportável. depois da troca de roupa, mochila às cotas e estou novamente pronto para seguir, consigo logo sentir o calor e fico mais confortável.

 A noite torna-se violenta, porque sou invadido pelo sono, a cada passo parece que me apetece fechar os olhos, tento contrariar, mas entre as 3h00 e as 5h00, parecia um "zoombie" com tanto sono.

Foto by Bruno Batista

Os primeiros raios de sol, começam a "invadir" os trilhos, sinto-me já desperto, estava perto de iniciar o PR7 - Nas Escarpas da Mizarela, quando consigo ver o sol, já estou a percorrer este trilho. Considero um pouco perigoso, toda a atenção é pouca. 

Volta aqui, volta acolá, sobe aqui, desce acolá. Já "dizia mal da minha vida", já me questionava porque o Moutinho tinha ainda este presente para a Malta, opah, estava cansado de tanto sobe e desce. Passo a passo, lá consigo ver ao longe o ÚLTIMO ABASTECIMENTO!!!, vejo alguém cá fora que tenta motivar, estou a chegar, penso. 

Quando entro, que calor fantástico, nem apetece sair dali, eu ainda não estava muito quente, entrar naquele abastecimento, soube pela vida! Como qualquer coisa mais, mas antes já tinha comido umas papinhas Cerelac, que delícia e que quentinhas, em prova sabem muito bem, não fazia ideia. Depois de dois dedos de conversa, volto ao trilho, novamente com frio e a tremer, por ter saído de um sitio quente, por ter parado e cá fora estava frio, tento dar uma corrida para aquecer. 

Já não era necessário lanterna já conseguia ver bem os trilhos, só faltava um grande descida e estaria na meta, nesta altura, só me imaginava a correr na estrada de alcatrão, já cá em baixo, sinal que tinha terminado, mas ainda faltariam umas horitas.

Com a paciência ligada, faltaria a última ideia do Moutinho que foi introduzir uma subida que basicamente é contornar o marco geodésico, São Pedro Velho, mas acreditem, quem se sentia velho era eu, com um passo tão lento. Depois de contornar o marco, estava a percorrer o planalto, mais umas antenas, como sabem, a ansiedade é nossa inimiga, mas nesta altura só queria ver a descida final, que teimava em não aparecer.

Finalmente, o famoso trilho que todos queremos alcançar, "Trilho Sálvio Nora", uma bela homenagem, mas é basicamente o último trilho, uma descida que nunca mais terminava que já era dolorosa, pelos Km's que temos nas pernas e afins, já não sei o que não doí-a, mas acho que estava tudo descolado e as peças a cada passo iam ficando para trás, cada passo acho que os parafusos soltavam-se.  Passa um atleta por mim, falamos um pouco, tento acompanhar para não "adormecer" com as dores, digo-lhe que devem faltar 5 km e que eram cerca de 7:20, ele parece que ganhou vida, só queria tomar banho, dizia ele, mas para isso tinha de cruzar a meta, na descida não o consigo acompanhar, desaparece da minha vista, mas tento manter uma passada forte... Ahahah. A caminhada estava a terminar.

A META...

Começo a ver os trilhos finais, a imaginar a estrada final, até olho para trás para relembrar quando passei em sentido inverso, ao iniciar, nisto surge a escada já conhecida, mas agora os joelhos ressentem-se, um degrau de cada vez, agarrado ao ferro central que serve de muleta, mais umas ligeiras subidas e descidas em estrada e já estou na estrada principal, é a avenida, as lágrimas, lá vão caindo, as pessoas pela estrada parabenizam e aplaudem como se um grande feito eu tivesse realizado, apenas estou a terminar o que me desafiei. Consigo ver a passadeira vermelha na estrada, significa que é a escola, está quase, o quase custa tanto. O pórtico exterior da estrada, olho para a escada e penso que tenho de subir em passo acelerado, sentado na escada está o meu tio, fico surpreendido e fico emocionado. 



Chegada Final

Sei que o resto da malta está por aí, contorno o pavilhão e assim que entro, sou surpreendido pela minha filha... Uau! As lágrimas teimam em não parar e cruzo a meta acompanhado pela filhota!!! Dou-lhe um beijo e agradeço. 

Foto by Helder - A meta tão desejada...

Recebo a medalha e a camisola, Porra!! "Sou filho da Freita" um parto difícil!!! Estou todo partido e sigo para abraçar a minha mãe, pai e primo. Sou grato pelo apoio!

Diploma by Stopandgo

Rapidamente, chega o Henrique Bruno e a Carla (esposa), para me cumprimentarem, foi bom partilhar contigo momentos desta aventura!!

Que grande apoio que tive desta claque! Desculpem as horas que não dormiram, desculpem de terem improvisado e desculpem as deslocações que tiveram de fazer pela minha loucura, mas acreditem que me sinto de alma cheia, só pelo vosso apoio, até dá vontade de repetir!!! Ahahahah

Foto by Lobo Solitário

Conclusões...

Como sempre digo quando oiço falar da prova da Freita, amigos, a Freita é "A FREITA!" de tanta beleza, para mim inigualável e em simultâneo tão dura, capaz de mexer com as nossas emoções, capaz de aniquilar a pessoa que se propõe desafiar estes trilhos subestimando-os, uma prova que ate aos 50 km parte o corpo e os restantes, tens de o fazer mentalmente, porque senão tens a capacidade mental necessária, vais quebrar e deitas a toalha ao chão.

Dizem as más línguas: "A próxima edição, será ainda mais dura". Só vos aconselho lembrarem-se qual o vosso objectivo principal (chegar à meta), depois pensem em chegar ao próximo abastecimento, ultrapassar cada subida que surge, cada descida que vos desafia e de certo que conseguem concluir, mas a dureza desta prova, é uma referência nacional e  muito falada por aí!!!

Quando me propus desafiar esta prova, pensava que a conseguiria concluir em muito menos tempo (guloso), não devia de delirar tanto. Já não me lembrava da dureza da prova, tinha conseguido concluir a mesma distância em 2018, em menos tempo, mas a prova está ligeiramente diferente e cada edição será sempre diferente. Acho que subestimei a prova. A minha claque, ajudou a minimizar o impacto da prova.

Perto dos 30 Km, a mente não ia bem, o Tico e o Teco discutiam, a prova não corria bem, tudo estava a remar contra, o facto de ter ficado sem GPS desorientou-me, não sabia os ritmos médios, senti-me perdido, dei por mim, sentado a pensar e a olhar para o rio, translúcido, ponderava que seria a primeira vez que poderia desistir! Mas a frase: "Eu desisto!" ou "Fico por aqui!" ou "Não quero sofrer mais!" ou "Não me inscrevi para isto", poderia descrever inúmeras frases que percorrem a nossa mente, mas custa-me tanto aceitar, pronunciar ou chegar ao abastecimento e tomar esta decisão, seria um arrependimento eterno. Não sei se algum dia o vou ter de fazer, mas até lá, vou adiando a cada passo que dou.

Apenas pude olhar para a natureza naquele momento (rio), tentar obter as respostas que tanto precisava e interiorizar, naquele momento pedia respostas à natureza, ela respondeu: "Faz como a água, não resistas, deixa fluir". Por isso, para parar, têm de te impedirem de continuar, têm de ser eles a te "barrarem", não tu, agora segue como a água. E nesse instante, levanto-me e fui deixando fluir. Deixei fluir a caminhada, deixei fluir a prova, fui apreciando a paisagem, os momentos de convívio, pensando no próximo abastecimento, que tinha alguém à minha espera no abastecimento mais à frente. 

Fiquei surpreendido como por vezes arranjava forças para continuar, os Km's foram somando, as horas foram passando, apenas digo mais uma vez: "Sou filho da Freita". Mais uma para o CV de ultramaratonista.

"Nunca melhor que ninguém apenas melhor que ontem!"

Parabéns a todos os que terminaram. Aqueles que ainda não conseguiram, a Freita está lá à vossa espera, a saúde primeiro porque os desafios esperam!

A todos os voluntários, parabéns e muito obrigado, pela atenção! Foram fantásticos.

A todos os fotógrafos que se envolvem neste evento e que conseguem fotografar momentos e paisagens fantásticas, muito obrigado, vocês dão vida a este evento, tornando-se único pela qualidade do trabalho realizado por vocês.

À responsável dos abastecimentos, Flor, tal como te disse pessoalmente, estava tudo fantástico, parabéns!

Ao diretor de prova, Moutinho, muito obrigado por nos proporcionares momentos fantásticos com esta prova, trilhos e afins, mas poderia ser menos dura? Ahahah

Continuo a adorar esta prova, mas só daqui a um mês, para já detestei... Ahahah O empeno desta vez foi elevado!

A equipa que torna este evento memorável a cada edição

Para quem se quiser aventurar para o próximo ano, o evento já tem data marcada!
Marquem nas vossas agendas...



Lobo solitário nos trilhos!

Vou descansar dos trilhos até Outubro... Acho eu! Ahahahah

 

    




 

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